sexta-feira, 31 de julho de 2015

CRÔNICA DE CADA DIA

Imagem meramente ilustrativa da web

ATÉ QUE A MORTE NOS UNA
Pawlo Cidade

“Hoje em dia o divórcio é inevitável, não dá para escapar. Ninguém aguenta conviver com a mesma pessoa por uma eternidade. Eu, na realidade já estou em meu terceiro casamento – a única diferença é que casei três vezes com a mesma mulher.” Enunciado assim é difícil crer que os casamentos de hoje durem tanto tempo. Há quem diga que os casamentos de outrora duravam por dois motivos: medo de ficar sozinho ou religião. Acrescente-se a isso a infidelidade. Aperitivo que permitia ao homem – e raramente a mulher – pular a cerca, mas continuar casado com a mesma parceira. “Em casa, tenho comida, roupa lavada e limpeza, na rua tenho o que minha mulher não me dá.” Célebre frase de um sem-vergonha machista que sentia a necessidade de uma escrava do lar, não de uma esposa.

Pois bem, finda a premissa (o mesmo que teoria, o conteúdo, a informação essencial que vai servir para escrever esta crônica) a partir da opinião de Arnaldo Jabor sobre a duração dos casamentos contemporâneos, me vem ao pensamento a lembrança de Seu Eurico e Dona Eulália, que, recentemente completaram bodas de diamante. “Qual o segredo?” - Pergunto. E ele, na simplicidade de suas palavras, no gesto terno de sua paciência, balbucia: “Respeito.”

Como um memorialista apaixonado narra pausadamente o dia em que, sentado na enseada do Pontal, de frente para a baía, conheceu aquela que seria sua amante até que a morte os separasse. Eulália era filha de pescador e Eurico, um jovem engenheiro, contratado para construir a ponte que ligaria a vila de pescadores ao centro da cidade. Ali, embaixo da jindiba, árvore que é símbolo das lembranças do personagem Caúla em “Luanda Beira Bahia”, de Adonias Filho, Eurico e Eulália trocaram o primeiro beijo, numa tarde ensolarada de maio.

“Respeito.” - Repetiu o octogenário construtor de pontes que soube, tijolo a tijolo, erguer a difícil arte do relacionamento a dois. “E o amor, ele não é fundamental?” Indago de supetão como que quisesse afirmar que o amor e respeito não podem viver separados. “O amor é cúmplice! Ele é também construído, lapidado, melhorado e ampliado um dia após o outro. Se você não entende isso, se você não enxerga isso, acabou o respeito,” confessa o engenheiro. E eu me pego pensativo, testemunhando o exemplo e de quanto ainda precisamos melhorar para ser, pelo menos, um terço do que foi a vida de Eurico e Eulália.

Na véspera de completar 61 anos de casados, Eurico e Eulália partiram. A morte não foi capaz de separá-los. O encontro se deu para ambos. Foram encontrados, em seu leito, abraçados, como costumavam dormir. Quis o destino, uni-los na juventude e na maturidade; na saúde e na doença; na alegria e na tristeza, na vida e na morte.

Julho de 2015

terça-feira, 28 de julho de 2015

CRÔNICA DO DIA A DIA


GATO POR LEBRE
Pawlo Cidade

Se você perguntar na Avenida Esperança onde fica a Rua Esperanto Perolato as pessoas vão erguer os sobrolhos e achar que você deve ter lido o endereço errado. Outros darão risada e alguns ainda vão repetir “Esperanto o quê?” Mas se você disser: “Rua do Cano”, todo mundo vai saber onde fica. E o nome que ficou na boca do povo, porém, algum vereador do passado na esperança de estar “prestando um (de)serviço à comunidade” apresentou um projeto de Lei que a batizou de Rua Esperanto Perolato. Nada contra o esperanto, esta língua artificial inventada por um médico judeu que não preciso citar o nome agora senão vocês vão acabar embrulhando a língua. Ah não ser que o nome faça jus ao significado real da palavra: “o que espera.” E é assim que vive o povo da Rua do Cano – digo “Esperanto”, esperando. Esperando tapar os buracos, asfaltar a rua, melhorar a iluminação pública, enfim!

Passada a introdução geográfica, cabe-nos chamar a atenção para um personagem conhecido do pedaço, que antes mesmo da venda do seu Zé abrir, às seis e meia da manhã, ele está lá, de prontidão, disposto a tomar o café-de-um-gole-só com a branquinha de sua preferência. Na desculpa de comprar o pão das crianças, Bigode já entrava no estabelecimento esticando os dedos e brindando o dia: “Seu Zé, a de sempre!” E Zé, dobrando a cabeça e curvando os lábios, pegava a garrafa de 51, no canto da prateleira, e enchia com uma única dose o pedido do freguês.

Fosse esse apenas o defeito – ou seria vício? - de Bigode. É bem verdade que nunca se tinha visto ele deitado na calçada ou jogado numa vala, guardado pelo seu fiel escudeiro “Bronze”, uma mistura de cachorro salsicha e vira-lata, que o acompanhava nas escapadas noturnas e nas goladas matutinas da branquinha. Bigode, certa feita, bebendo todas e comendo com farinha, se engraçou com uma loira top-de-linha, pernuda, quadril arredondado, lábios carnosos. Os colegas, percebendo a paquera do amigo resolveram colocar lenha na fogueira. E a loira, com aquele largo sorriso de quem vem-que-eu-sou-tua caiu na lábia de Bigode. Seu Zé, amigo de infância e dono do bar, até tentou cutucar o outro pedindo que não se metesse com a mulher dos outros. Bigode, travado, perguntou se o bodegueiro estava com ciúmes, pois perder aquele avião seria o mesmo que perder um bilhete premiado da loteria.

A única pulga que deixou Bigode com a orelha em pé – mas também que se dissipou rapidamente – foi a de que ninguém mais deu em cima da loira. Só ele. Como podia? Uma loira linda, pernuda, gostosa, dando sopa e ninguém interessado? Só ele via aquilo? Não! Que nada! Barbudo, carpinteiro experiente tranquilizou o amigo: “A mulher é sua, Bigode. Você viu primeiro.” E mal teve tempo de completar a frase, Bigode estava do lado da loira, fungando no cangote. Zé Pedro, eletricista dos bons, solteiro, que morava num barraco na subida do Alto da Esperança ofereceu logo a chave para a quebrada. Bigode não contou conversa. Enfiou a chave no bolso, piscou para o amigo e saiu arrastando a loira para o matadouro.

Nem bem entrou no barraco, Bigode apertava a loira como se aperta uma aliança. Era beijo de um lado, cheiro do outro, lambida na orelha. Um grude! Aquela altura ele gritava a cada passo do caminho que a amava, que ela – a tal loira - era o amor da sua vida. Bigode - não se sabe se tonto por causa da branquinha ou encantado com a mulher, não acertou abrir a porta do barraco. A loira, prevenida, tomou a chave do outro, meteu na fechadura e abriu. Bigode foi empurrando ela como se aqueles fossem os momentos finais de sua conquista. A loira agarrou Bigode pelos braços, com uma força que ele estranhou e disse: “Calma!” Bigode deu um passo para trás e esperou o desenrolar do acontecimento. Mal sabia ele que a turma, que o acompanhara no bar, estava de ouvido grudado na porta do barraco, querendo saber o que estava acontecendo.

A loira, mais uma vez cuidadosa, sentou Bigode num tamborete, e deixou-o na posição de espectador. Em seguida, afastou-se, tirou a roupa, lentamente, subiu na cama e ficou na posição de cachorrinho. Bigode arregalou os olhos, suou frio, engoliu a saliva, ergueu as sobrancelhas e uma tremedeira tomou-lhe conta das pernas. O arapapá da loira mais parecia uma manjuba. “E aí?” A voz da loira ficou mais grave. Bigode olhou para um lado, olhou para o outro, respirou fundo e pensou consigo mesmo: “Se não tu, vai tu mesmo.” E os companheiros, do lado de fora do barraco, tentando encontrar uma fresta ou ouvir os gemidos que vieram do quarto da casa de Zé Pedro, apelidaram Bigode naquele dia de “Gato por lebre.”


Julho de 2015

TIRINHAS

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